20 maio 2015

Colcha de Retalhos

Marina Crateús tem 90 anos. Costura, faz crochê, cozinha e adora novelas. Sabe os nomes de todos os personagens. Senta-se em sua cadeira e como mágica faz cortinas, roupas, toalhas de mesa e o que mais você possa imaginar. Mãos rápidas, sagacidade, ditados populares na ponta da língua, saúde como um brasão.

Dez filhos, alguns perdidos ao nascer, outros mortos tragicamente. Um incêndio, um suicídio, um para a loucura. Um marido arredio morto longe dos olhos da família e das minhas lembranças. Marina é forte como uma rocha, criou dois netos e tem como protetora uma das filhas que faz papel de mãe, hoje e agora. Perdi o laço com Marina. Quando criança, sempre fui nariz empinado, nunca quis agradar a minha avó e a acusava de gostar mais dos outros netos do que de mim. Dava como desculpa “ela não gosta de mim” para não evitar a sua casa, mas a verdade é que caminhei por uma estrada tortuosa e não queria ser a neta perfeita. Não fazia questão porque ao meu redor há essa sensação de que preciso de aprovação para tudo e por todos (o que nunca vai acontecer). E não queria sentir-me assim dentro da própria família.

 Certa vez, vi uma colcha de retalhos em sua cama e achei a colcha mais bonita que já vi. Todas as cores unidas por uma linha em várias formas e larguras. Deve ter levado uma vida para fazer algo simples e acolhedor. Com a certeza de que ela me negaria uma colcha como aquela, mesmo assim, eu pedi. E ao receber a resposta de que ela faria uma pra mim, minhas muralhas foram quebradas. Eu vi a sua dedicação enquanto a máquina de costura trabalhava, eu vi que ela me amava, mas eu perdi um laço com ela. Creio que o tempo me fez afastar da família, me fez evitar ligações, mensagens, abraços e o ato de pedir a benção.

A colcha de retalho que me agasalha todas as noites está surrada, mas me fez pensar que posso retalhar e costurar o que foi danificado. Aos poucos poderei fazer a minha própria colcha de retalho em forma de abraços, desculpas e saudades. Costurarei cada botão que caiu do meu coração, cortarei sentimentos que não são necessários, usarei a linha da saudade para recomeçar. Procurarei os retalhos mais coloridos para arrancar sorrisos. Não há tempo para mágoas e distanciamentos. A colcha de retalhos não será tão bela como a que eu ganhei, mas será a calmaria em meu coração.


Espero que não seja tarde demais para costurar e entregar uma colcha de retalhos em forma de carinho. Espero que não seja tarde demais para pedir desculpas e beijar sua mão enrugada com sinais do tempo. Espero que esse recomeço me faça crescer mais (apesar de que Marina me dava óleo do peixe para crescer, mas não resolveu. Continuo tentando alcançar a barra alta do ônibus e fico pendurada) como ela sempre desejou. 

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