Ele
não tem pressa para chegar ao seu destino que é deixá-la em casa. Conversa
animadamente, talvez tenha sido a presença de alguém que o interessa muito que
acabara de ver. Ela escuta, mas seu pensamento está em outro lugar. Não está
com a mente vagando em outro continente porque seu corpo e mente continua
dentro do carro.
Ela
examina um objeto que nunca tinha percebido antes no carro dele. Um símbolo de
todo o cristianismo balançava em sua frente no retrovisor. Será que sempre
esteve lá? Quem o colocou? O amigo continua falando animadamente preenchendo o
espaço do carro, mas ela continua analisando o terço. Quanto tempo faz que não
segura uma minúscula bolinha destinada para uma AVE MARIA? Faz muito tempo. São
anos sem segurar um terço porque não via suas preces atendidas. Dentro do carro
em movimento lembrou-se das noites em que chorava e adormecia rezando um terço,
acordava renovada e com uma paz interna. Acreditara que fora as orações, o
terço. Com o tempo, não parava para agradecer e o que acontecia de ruim era
culpa de Deus. As coisas boas eram porque ela merecia, sentia-se merecedora e
por isso, não agradecia. Quando chorava e adormecia sem rezar descobriu que era
o sono. Nada melhor que uma boa noite de sono.
Permaneceu
chorando e dormindo a cada decepção do dia a dia, mas não rezava. Riscou a
palavra gratidão do seu vocabulário e permaneceu assim até aquele momento. O
momento em que o terço balança após uma curva e seu amigo o segura deixando
inerte. Um gesto curioso para ela e normal para outros. A verdade é que aquela
mão que colocou o terço em seu devido lugar fora também a que escreveu um livro
desconstruindo muitos conceitos que existem no cristianismo. Poderia ter
perguntado em voz alta quem colocou aquele terço ali, mas preferiu fazer
conspirações mentalmente, então imaginou o momento em que a mãe do seu amigo,
com carinho, colocou ali aquele terço, como lembrança de seu cuidado, como
lembrança do cuidado divino, do seu divino para o divino de seu filho, meu
amigo. E com igual carinho, cuidadosamente, ele coloca o terço no lugar, após as
curvas, da estrada e da vida, mesmo não crendo no terço, mas tendo certeza e
respeito do carinho que o colocara ali.
A moça desviou o olhar do objeto e olhou para a janela pensando “a vida é feita de momentos contraditórios”.
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