10 dezembro 2014

O terço

Ele não tem pressa para chegar ao seu destino que é deixá-la em casa. Conversa animadamente, talvez tenha sido a presença de alguém que o interessa muito que acabara de ver. Ela escuta, mas seu pensamento está em outro lugar. Não está com a mente vagando em outro continente porque seu corpo e mente continua dentro do carro.

Ela examina um objeto que nunca tinha percebido antes no carro dele. Um símbolo de todo o cristianismo balançava em sua frente no retrovisor. Será que sempre esteve lá? Quem o colocou? O amigo continua falando animadamente preenchendo o espaço do carro, mas ela continua analisando o terço. Quanto tempo faz que não segura uma minúscula bolinha destinada para uma AVE MARIA? Faz muito tempo. São anos sem segurar um terço porque não via suas preces atendidas. Dentro do carro em movimento lembrou-se das noites em que chorava e adormecia rezando um terço, acordava renovada e com uma paz interna. Acreditara que fora as orações, o terço. Com o tempo, não parava para agradecer e o que acontecia de ruim era culpa de Deus. As coisas boas eram porque ela merecia, sentia-se merecedora e por isso, não agradecia. Quando chorava e adormecia sem rezar descobriu que era o sono. Nada melhor que uma boa noite de sono.

Permaneceu chorando e dormindo a cada decepção do dia a dia, mas não rezava. Riscou a palavra gratidão do seu vocabulário e permaneceu assim até aquele momento. O momento em que o terço balança após uma curva e seu amigo o segura deixando inerte. Um gesto curioso para ela e normal para outros. A verdade é que aquela mão que colocou o terço em seu devido lugar fora também a que escreveu um livro desconstruindo muitos conceitos que existem no cristianismo. Poderia ter perguntado em voz alta quem colocou aquele terço ali, mas preferiu fazer conspirações mentalmente, então imaginou o momento em que a mãe do seu amigo, com carinho, colocou ali aquele terço, como lembrança de seu cuidado, como lembrança do cuidado divino, do seu divino para o divino de seu filho, meu amigo. E com igual carinho, cuidadosamente, ele coloca o terço no lugar, após as curvas, da estrada e da vida, mesmo não crendo no terço, mas tendo certeza e respeito do carinho que o colocara ali.

A moça desviou o olhar do objeto e olhou para a janela pensando “a vida é feita de momentos contraditórios”.

Chegou em casa e agradeceu, agradeceu por tudo e por todos. Pegou o terço de sua Mainha e adormeceu rezando. Se a vida é feita de momentos bons, ruins ou contraditórios, ela também pode ser. E ela é. 

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